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A inquietante conquista do Leicester City na temporada 2015/16 da Premier League fez especialistas arrancarem os cabelos tentando explicar o inexplicável. A campanha dos Foxes foi muito mais do que surpreendente. Quebrou as casas de apostas, que pagavam £ 5 mil por cada £ 1 apostada no início da competição. As perdas somaram mais de £ 10 milhões.
Desde que a Premier League foi implantada — na temporada 1992/93 — o Blackburn Rovers tinha sido o único “não-grande” a conquistar o título, em 1995. Logo no primeiro ano investiram £ 3,4 milhões em Alan Shearer, configurando uma transferência recorde no futebol inglês até aquela temporada. Como comparação, o Manchester United pagou £ 1,3 milhão por ninguém menos que Eric Cantona no mesmo ano. Na temporada seguinte à criação da Premier League, os Rovers pagaram £ 2,9 milhões pelo goleiro Tim Flowers, £ 2,8 milhões pelo meio-campista David Batty e mais £ 2,8 milhões pelo defensor Warhurst. Já em 1994/95, foi a vez da chegada de Chris Sutton, para fazer dupla de ataque com Alan Shearer, por £ 5,6 milhões. Foi quando o clube comandado por Kenny Dalglish conquistou o campeonato.
Essas cifras representavam o início do despejo de dinheiro oriundo dos novos contratos de TV da recém-fundada Premier League, e, por isso, o título conquistado pela equipe comandada por Claudio Ranieri é ainda mais espetacular e incrível.
Somente sete técnicos conquistaram a Premier League. Alex Ferguson quase monopolizou a competição enquanto a disputou — foram treze títulos no comando do Manchester United. Ao mesmo tempo que o clube se consolidava esportivamente, as finanças davam um salto que permitia investimentos como a contratação de Andy Cole, na temporada 1995/96, por £ 7,2 milhões. Os clubes que melhor desempenho apresentavam na nova liga conseguiam subir de patamar ano após ano, pois a distribuição de recursos financeiros privilegia os melhores colocados, em vez de sua popularidade.
Clubes tradicionais, mas que fracassaram na primeira década da Premier League, como Leeds, Nottingham Forest e até o Manchester City, não conseguiram permanecer na divisão de elite do futebol inglês, culminando, inclusive, em quedas para o terceiro escalão do futebol britânico.
Títulos de Claudio Ranieri:
Cagliari: Serie C1 e Coppa Italia Serie C 1988/89;
Fiorentina: Serie B 1993/94 e Coppa Italia 1995/96;
Valencia: Copa do Rei 1998/99;
Monaco: Ligue 2 2012/13.
José Mourinho e Arsène Wenger conquistaram três títulos cada um. Ambos dispunham de um exército multimilionário quando venceram os campeonatos. O português fez o improvável antes de assumir o Chelsea, conquistando a Champions League, em 2004, com o modesto FC Porto. No Chelsea, seus resultados podem ser considerados apenas regulares.
Já o francês que comandou o Arsenal pode ser questionado, afinal, três títulos da liga inglesa com um clube que dispõe de um dos maiores orçamentos do Reino Unido é bem pouco. O dobro dos títulos seria um número, no mínimo, mais aceitável.
Após a injeção de capital árabe no Manchester City, o clube pôde rivalizar de igual para igual com seus vizinhos. Mas ainda assim, Roberto Mancini e Manuel Pellegrini, talvez, possam ser comparados a Arsène Wenger. Embora tenham conquistado um título da Premier League cada um, seus rendimentos foram abaixo do esperado. É muito pouco para o clube que possui a maior folha salarial da Inglaterra, como dispõem os Citizens.
O dinheiro investido pode colocar os clubes na rota de vitórias, mas também demonstra que vencer um título ou pouco mais pode ser insuficiente. No entanto, se a lógica for invertida, esquecendo os títulos conquistados e olhando apenas para os desempenhos, nomes como Roberto Martínez e Mauricio Pochettino surgem como subversores do jogo. Com muito menos recursos, conseguiram posicionar Wigan e Southampton, respectivamente, em lugares impensáveis.
A temporada 2015/16 colocou por terra todas as regras econômicas estabelecidas. Nenhum subversor seria capaz de conquistar o título da Premier League num clube que pensava apenas em escapar do rebaixamento e praticamente sem grande investimento. E foi o que Ranieri conseguiu. Com uma campanha irreparável, sem lançar mão de qualquer anti-jogo, doping ou suborno a árbitros.
Mas peraí. Claudio Ranieri não era o pior técnico a conquistar a Premier League? Sim, ele é.
É preciso olhar para as carreiras e currículos dos técnicos que já conquistaram a Premier League para notar a inferioridade do italiano. Quando esteve no Chelsea, e dispunha de um elenco vasto, já com os primeiros investimentos do bilionário russo Roman Abramovich, ele alcançou o segundo lugar na Premier League e as semifinais da Champions na temporada 2003/04 — aquela mesma que José Mourinho conquistou o título com o Porto — e acabou sendo demitido para dar lugar ao próprio português. Essa foi a temporada de maior êxito de Ranieri no futebol de alto nível.
Alex Ferguson
Os treze títulos da Premier League falam por si, e são precedidos de um título da segunda divisão escocesa com o St. Mirren, em 1976/77, três títulos escoceses com o Aberdeen (1979/80, 1983/84 e 1984/85), quatro Copas da Escócia (1981/82, 1982/83, 1983/84 e 1985/86), além de uma Copa da Liga Escocesa em 1985/86 e da Recopa da UEFA na mesma temporada — que o levaram a ser contratado pelo Manchester United.
Kenny Dalglish
O escocês venceu o título de 1994/95 com o Blackburn Rovers, pois dispôs de muito investimento em transferências, mas, antes, ele havia sido campeão inglês três vezes com o Liverpool (1985/86, 1987/88 e 1988/89) e conquistado também duas Copas da Inglaterra (1985/86 e 1988/89).
Arsène Wenger
O francês chegou ao Arsenal em 1996 e, antes disso, havia conquistado o campeonato francês de 1987/88 e também a Copa da França em 1990/91 com o Monaco. No Nagoya Grampus, do Japão, venceu a Copa do Imperador em 1995, nos tempos em que a J-League atraía jogadores e técnicos de renome.
José Mourinho
O lusitano chegou ao Chelsea em 2004, após conquistar um improvável título europeu com o Porto. Além da Champions League, o português também ganhou a Liga Portuguesa em 2003/04 e, na temporada 2002/03, a Copa da UEFA, o campeonato português e a Copa de Portugal.
Roberto Mancini
O italiano foi contratado pelo Manchester City em 2009. Mas além de conquistar uma Coppa Italia com a Fiorentina (2000/01), ganhou outras três, sendo uma com a Lazio em 2003/04 e as outras duas com a Internazionale (2004/05 e 2005/06). E foi com a Inter que enfileirou três Scudetti entre 2006 e 2008 — o primeiro deles conquistado fora de campo após o escândalo Calciopoli, vencido pela Juventus.
Manuel Pellegrini
O chileno saiu da América do Sul tendo conquistado títulos com a Universidad de Chile (Copa do Chile), LDU (campeonato equatoriano), San Lorenzo (campeonato argentino e Copa Mercosul) e River Plate (campeonato argentino). No Villarreal, alcançou as semifinais da Champions League em 2006, e, no Málaga, as quartas-de-final em 2013.
Pep Guardiola
Dispensa apresentações.
Em síntese, os treinadores que já conquistaram o campeonato inglês na Era Premier League detinham um currículo — no mínimo — mais vencedor que o de Claudio Ranieri e também dispunham de elencos e orçamentos muito mais caros.
Então, como ele conseguiu?
O feito do italiano remete a Brian Clough, que conseguiu — várias vezes — subverter o jogo, apostando em jogadores em baixa, que posteriormente vendia quando estavam em alta. Embora tenha fracassado no Leeds United — poderoso nas décadas de 1960 e 1970 —, o que Clough realizou antes com o modesto Derby County e com o inexpressivo Nottingham Forest foi sem precedentes. Mas tudo isso antes da Premier League, quando o dinheiro não pesava tanto e as regras para contratação de jogadores estrangeiros eram muito mais rígidas.
Números do Leicester de Claudio Ranieri:
— Apenas três jogos sem marcar gols (2E 1D);
— Em 13 oportunidades, marcou apenas um gol (7V 5E 1D);
— Ganhou 13 dos 22 jogos pela diferença mínima;
— 30% dos gols foram de bolas cruzadas pelo alto.
Contudo, mesmo reconhecendo o magnífico êxito de Claudio Ranieri em um mercado ultra-competitivo e totalmente globalizado, fica uma dúvida cruel com relação ao futuro. Foram 38 rodadas, diferentemente de títulos em competições de mata-mata. O que aconteceu foi realmente incrível, digno de aplausos infinitos por desafiar a lógica como nunca antes. Nem a Grécia da Eurocopa 2004 ou mesmo o Porto de José Mourinho conseguiram tamanha proeza. O Verona de 1985 foi fantástico, mas já vinha jogando em alto nível nas temporadas anteriores.
No entanto, o Leicester não aplicava um tipo de jogo ou uma jogada específica — apesar de um terço dos gols marcados terem sido de bolas aéreas —, nem tinha jogadores brilhantes — Vardy é só um bom atacante e Mahrez, eleito melhor jogador da competição, não é nenhum Messi. N’Golo Kanté, hoje no Chelsea, mostrou-se capaz de jogar em qualquer grande clube europeu, mas não é um gênio da bola. Isso tudo é muito intrigante. Afinal qual é o segredo?
O segredo remete a Luis Aragonés e sua célebre frase: “Ganhar, ganhar, ganhar, ganhar e ganhar.” Não se explica o que aconteceu. Foi uma temporada muito bizarra. O Chelsea — detentor do título — começou brigando nas últimas posições; o Manchester City oscilava, mas conseguia se manter no G4; o Manchester United manteve a regularidade sendo irregular como na temporada anterior. E o Tottenham, de Mauricio Pochettino, surpreendentemente, firmou-se em segundo lugar, fazendo uma campanha excelente.
Mesmo assim, como o Leicester pôde vencer tantos jogos com um time sem nenhum super craque, sem um grande técnico, sem investimentos consideráveis, sem um estilo revolucionário ou inovador, com a menor posse de bola do campeonato?
Talvez a resposta esteja nesta enorme pergunta. Por não ter um super craque, por não ter um grande técnico, por não ter investimentos maciços, por não revolucionar e inovar, dando a posse de bola para o adversário. Assim, com aquilo que tinha à disposição, ganhou tantos jogos, fazendo tantos gols de cabeça ou no contra-ataque.
Mas ainda fica uma última indagação: qual é o legado? Será o discurso da humildade? De auto-conhecimento ou de ousar e acreditar?
Jornalista, publicitário e fotógrafo. Estudou comunicação social na Universidad Nacional de La Plata. Para Martinho, não existe golaço de falta (nem aquele do Roberto Carlos em 1997 contra a França ou de Petković em 2001 contra o Vasco). Aos 11 anos, deixou o cabelo crescer por causa do Maldini. Boicota o acordo ortográfico.
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