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Berlim, 1873. O continente europeu passava por conflitos e mudanças que se alastravam por sua completa extensão. O Império Alemão anunciara, há apenas dois anos, o início do Segundo Reich após a vitória na Guerra Franco-Prussiana. Seguindo o objetivo do chanceler Otto Von Bismarck, a unificação dos estados alemães demonstrava-se cada vez mais presente. Nascia ali, nesse contexto, Walther Bensemann, personagem responsável pela disseminação do futebol nas terras alemãs.
O menino era filho de um casal influente da elite berlinense. Seu pai, Berthold, era um rico banqueiro alemão, e sua mãe, Eugenie, era filha de uma poderosa família de Breslávia, região que hoje localiza-se no oeste polonês. A tradição judaica era repassada a Bensemann por seus pais em um período em que o semitismo era fortalecido.
O ambiente social em que foi educado corroborou com um crescimento individual culturalmente estimulante. Sua mãe sediava, em sua casa, frequentes reuniões de intelectuais; a música e a arte estavam constantemente como os assuntos em pauta. Sempre em um grupo considerável de pessoas, a presença de Walther nos encontros era frequentemente exigida por sua família para educá-lo como um anfitrião — e o conteúdo a ser debatido era agregado a ele.
Com dez anos de idade, Walther Bensemann foi enviado para estudar em um colégio elitista em Montreux, região de domínio francês na Suíça. O objetivo central de sua viagem seria uma imersão na língua inglesa e o contato com outras culturas. Walther seguia a linha de raciocínio cosmopolita de seus pais e propunha relacionamentos sociais liberais e sem preconceitos.
Vários alunos vinham da Inglaterra e, com eles, a cultura inglesa se fazia presente em Montreux, e, também com eles, veio o jogo de futebol entre os costumes. E foi dentro dessa atmosfera que o menino alemão teve contato com o recém-nascido esporte.
Enquanto o futebol era repassado, aprendido e aprimorado por Bensemann, a cidade de Berlim recebia os principais líderes das potências europeias para a conclusão de um tratado que definiria o futuro do mundo nos anos seguintes. A Conferência de Berlim, realizada entre os anos de 1884 e 1885, estipulava os limites do neocolonialismo e destinava as faixas de terra dos continentes asiático e africano para a exploração de terra e a ampliação do mercado consumidor.
A revolução industrial inglesa, iniciada no século XVIII, proporcionou maior força na produção das mercadorias por meio de máquinas e a nova busca por mercados passou a ser essencial. Uma parcela do povo judeu foi muito beneficiada com a nova lógica que dominava a economia mundial, uma vez que conseguia dominar o sistema financeiro e obter lucro com facilidade.
Em 1887, Walther Bensemann mudou-se para Karlsruhe, uma cidade localizada no sul da Alemanha, para finalizar seus estudos. A partir da sua volta à sua terra natal, o futebol torna-se mais expressivo e protagonista em seus anseios: um trabalho de mais de dez anos para formar um público que se engajasse com o futebol.
Sua maior participação foi na formação do Karlsruher Kickers. O seu pioneirismo garantiu a criação de um time que era considerado uma seleção montada pelo próprio alemão — ele fazia parte do time — e promovia jogos e competições que colocassem o esporte em evidência.
Walther Bensemann mantinha um comportamento diplomático pacifista. Por isso, já em 1893, o jovem alemão tentava promover a realização de um jogo entre times da Alemanha e da Suíça em território francês, representados pelo Karlsruher Kickers e Lausanne. No entanto, na França, sua ação não era bem-vista, pois Bensemann queria a realização do jogo em Estrasburgo, cidade muito atacada pelos prussianos duas décadas antes.
Somente cinco anos depois foi possível o primeiro encontro esportivo entre as nações conflitantes: em 1898, Bensemann foi convidado por um grupo alemão para participar de um torneio em Paris. Os alemães saíram com duas vitórias: no campo e no extracampo, com uma relação mais saudável entre França e Alemanha.
Após sua participação no torneio, Walther Bensemann teve influência na criação de equipes esportivas, voltadas ao futebol, também em cidades vizinhas; ao sul de Karlsruhe, as cidades de Baden-Baden, Freiburg, Munique — com o precursor do Fussball-Club Bayern München — e até mesmo em Estrasburgo. Ao norte de Karlsruhe, cidades como Gieβen, Würzburg, Mannheim e Frankfurt — nesta com significativa participação, uma vez que foi o responsável pela fundação do Eintracht Frankfurt em 8 de março de 1889.
Seu próximo grande objetivo atingido foi a participação na Federação Alemã de Futebol, em 1900, como delegado. A relação de Bensemann com a entidade alemã era turbulenta. A Federação Alemã não apoiava os jogos em Praga, Berlim e propriamente em Karlsruhe marcados por Bensemann e, por isso, não proporcionava estrutura e as garantias que deveriam ser pagas aos adversários. Walther Bensemann argumentava que, por outro lado, as cidades ficariam movimentadas e o torneio viraria um evento social.
Apesar do transtorno, tudo ocorreu como programado por Walther Bensemann e, mesmo sofrendo numerosas goleadas para a seleção inglesa, o futebol alemão teve uma aula tática do jogo de futebol e passou a evoluir. Em 1910, os Karlsruher Kickers sagraram-se campeões nacionais da competição existente na época — a Bundesliga entrou em vigor na Alemanha somente em 1962.
O cenário internacional estava polvoroso: o sentimento nacionalista tomava conta dos principais Estados-nação da Europa. Alemanha e Itália requisitavam mais terras da divisão feita em Berlim. A França queria de volta a região da Alsácia-Lorena, que havia sido perdida para a Alemanha durante a Guerra Franco-Prussiana. A Rússia já ensaiava uma grande revolução. Foi-se a década de 1910 com a Primeira Grande Guerra e a Alemanha derrotada e destruída.
Walther Bensemann sofreu muito com o confronto, perdeu amigos e ficou preso na Alemanha por não haver possibilidades de deixá-la. Mas sempre insistia em pregar uma visão mais liberal e pacifista. E então, foi por ele fundado a Der Kicker, uma revista voltada principalmente para o futebol. Em 1920, ocorre o lançamento da primeira edição, que virou referência dentro e fora da Alemanha, e a sua tradição se transformou em um pilar do esporte alemão.
Bensemann escreveu na 25ª edição, em 1920, que “a ‘Kicker’ é um símbolo da reconciliação entre os povos através do esporte”, simbolizando o maior objetivo de seu pioneirismo: o futebol como agente agregador em uma sociedade.
No início, manter uma publicação periódica era um grande desafio para Walther Bensemann: poucas condições financeiras e a atividade solitária na produção tornavam a administração caótica. O principal público-alvo era do sul da Alemanha, principalmente nas cidades de Konstanz, Stuttgart, Ludwigshafen e Nuremberg. A linha editorial era composta por artigos, muitas vezes regionais, e reportagens de correspondentes no exterior. Por ter significativa relação diplomática em outros países, como com as federações sueca, húngara, italiana, inglesa e dirigentes da Fifa, os artigos especiais também eram produzidos em outros países.
Durante a República de Weimar, período transitório entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a revista era muito crítica em relação ao comportamento das entidades de futebol da época e, por muitas vezes, sofreu ao perder leitores por suas sátiras. Em outros momentos, ele argumentava a favor da interação popular e defendia o direito dos judeus e da classe trabalhadora.
Com a ascensão do movimento nazista, foi se tornando cada vez mais difícil a movimentação da revista dentro e fora da Alemanha. Adolf Hitler ganhava poder politicamente e Walther Bensemann tentava burlar a censura aos judeus na Kicker. Com a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, os extremistas nazistas passaram a atribuir a culpa pela destruição da economia alemã e a alta inflação aos judeus — que, por sua vez, concentravam grande parte da riqueza da Alemanha.
Em 1930, o Uruguai sediava a primeira Copa do Mundo da história, com a participação de apenas 13 países. Do continente europeu, participaram apenas Bélgica, Romênia, Iugoslávia e França. Neste mesmo ano, a Kicker escreveu a seguinte frase para comemorar o que viria a se tornar o maior evento esportivo internacional: “o esporte é uma religião, talvez seja hoje o único meio verdadeiro de conectar pessoas e classes”, e foi considerado o melhor jornal esportivo do continente pelo presidente da Federação Sueca de Futebol.
Contudo, com a chegada de Hitler à cadeira de chanceler da Alemanha em 1933, Walther Bensemann precisou fugir de seu país para manter-se seguro. De volta à cidade suíça que lhe ensinou o que era o futebol, Montreux, o alemão passou os últimos dias de sua vida. Ele foi convidado para ir à Itália em 1934 para assistir a Copa do Mundo que aconteceria por lá, mas, por conta do fascismo italiano de Mussolini e de seu debilitado estado de saúde, Bensemann permaneceu na Suíça.
Em 12 de novembro de 1934, o maior símbolo do futebol alemão veio a falecer. A memória de Walther Bensemann foi preservada por amigos e familiares com a criação do torneio Tournoi International de Football-Juniors pró memória Walter Bensemann, com a participação de conhecidos clubes da Suíça, da então Tchecoslováquia, da França e da Itália.
Na Alemanha, sua memória é homenageada por meio do Prêmio Walther Bensemann, que é entregue a profissionais contemporâneos, cujo trabalho de longa data honra a tradição do pioneiro alemão. Pessoas com participação notável no futebol, que, muitas vezes, tiveram de quebrar paradigmas: um prêmio especial por um compromisso extraordinário com coragem e espírito pioneiro, por responsabilidade social, jogo justo e compreensão intercultural no campo do futebol.
Walther Bensemann também tem sua história contada em diversas exposições. Em 2017, Nuremberg apresentou a exibição ‘Entre o sucesso e a perseguição — Estrelas judaicas no esporte alemão até 1933 e posteriormente’, que contou sua biografia e sobre sua importância para o futebol.
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