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“Fifa lança pôster da Copa com homenagem a Lev Yashin”. “Poster da Copa 2018 é lançado com homenagem a lendário goleiro”. “Aranha Negra é homenageado em cartaz da Copa do mundo”.
Este foi o tom dado pelas manchetes quando a Fifa anunciou o pôster oficial da Copa do Mundo de 2018, alguns dias antes do sorteio dos grupos da competição. Sem dúvida nenhuma, a palavra “homenagem” foi a mais repetida pelos portais, impressos, blogs e qualquer outra mídia que tenha se disposto a comentar o cartaz.
De fato, é uma homenagem, disso não tem como discordar. Porém, não só a Yashin, lendário goleiro, Aranha Negra e etc. O cartaz é igualmente uma homenagem à própria Rússia.
Nem sempre esse é o caso [a homenagem ao país sede]: do cartaz da Copa no Brasil, em 2014, não há muito o que se falar, mas o que todos imaginam é que, se ele é uma homenagem, não é ao Brasil. Talvez, entretanto, à Unilever [homenagem tão mal feita que nem a Unilever gostou].
Já para 2018, a escolha foi irretocável. O maior jogador da história do país-sede, rodeado de referências ao mais relevante movimento artístico de sua história. Até dá para dizer que o pôster carrega os três maiores feitos da Rússia no século XX: o espaço, o construtivismo e Yashin.
O espaço está representado na bola que o Aranha defende, onde vemos o mapa da Rússia visto de longe. Mas não só a bola carrega essa referência. Segundo o próprio videozinho didático que a Fifa publicou, os feixes de cor laranja que irradiam a tela criam uma analogia aos satélites soviéticos.
Já a homenagem ao construtivismo é mais explícita, está em todos os traços e cores do pôster. A vanguarda foi um marco no abandono da arte figurativa, pictórica. Ou seja, a arte buscando uma linguagem própria para além da representação da natureza.
O Brasil, que demorou um pouco mais para sair dessa fase, talvez ainda tenha alguma dificuldade em assimilar a quebra. Por isso, em 2014, escolheu se apresentar ao mundo utilizando seus ícones estereotípicos mais desgastados. Ainda elegeu para isso a não consagrada estética de uma multinacional comercializadora de leite em pó e fralda.
É bem verdade que existe um elemento não construtivista na peça do designer russo, Igor Gurovich: a tipografia. Suíça, sem expressividade e símbolo do status quo, quase oposta à vanguarda russa. Talvez seja um mimo à Fifa [com sede em Zurique] ou apenas uma escolha funcional, baseada na legibilidade. Não sabemos. O mais indicado é acreditar que a opção foi feita pelo seu motivo mais digno: não desviar o foco do personagem central da obra.
Lev Yashin, único verdadeiro craque da história do seu país. Existe a teoria corrente de que só um goleiro poderia ser o craque da União Soviética, porque a vida soviética era baseada na rigidez e na disciplina, características que não são as principais para fundação de um jogador de linha. O goleiro, por outro lado, se beneficia disso. Para ele, a perfeição é tangível: basta não levar gol.
Yashin também se aproxima da perfeição por ter alcançado o nível máximo da convivência humana, não só no que diz respeito ao futebol. O Aranha alcançou o invejável status de pegador de pênalti. Um pegador de pênalti é a materialização humana da perfeição e Yashin foi um dos bons, só que ainda mais perfeito do que um pegador de pênalti comum [como se existissem pegadores de pênalti comuns]: o Aranha Negra catava pênalti sem dar rebote. Isso sim, senhoras e senhores, é um belíssimo exemplar da perfeição.
Portanto, se em algum momento você ouvir alguém falar que o regime soviético não atingiu sucesso no que tentou, lembre sempre da ressalva que faz o pôster da Copa: existiu o Yashin.
Não custa lembrar ainda que o construtivismo russo emulado no cartaz para 2018 buscava aliar a produção artística com a produção industrial; a automação; repetição. Os padrões verde-laranja do cartaz já dão um indício dessa característica. Yashin, de maneira parecida, é a automação acrescida de arte. Por mais que sempre saibamos o que um goleiro precisa fazer numa jogada, sempre nos surpreendemos com a beleza do movimento de quem de fato faz o que precisa ser feito na jogada.
Como o grande goleiro do século XX, seria Yashin um produto, irmão ou releitura do construtivismo? O cartaz da copa seria, na verdade, o nascimento do Aranha ou a sua sobreposição sobre o grande evento russo que o precedeu?
A resposta pouco importa, porque Yashin não tem nada a ver com isso. Foi o goleiro o que foi e não precisou prestar reverência a El Lissitzky, Rodchenko ou Vertov pra isso.
Único da sua posição a ganhar Bola de Ouro e dos principais responsáveis a levar a União Soviética à quarta colocação na Copa de 1966. Também deve ser o maior jogador de boina da história.
Por isso, ele é também o emblema da Copa de 2018. Independente dos resultados esportivos e comerciais, o torneio já valeu a pena para os anfitriões, por dar uma imagem definitiva a esse grande personagem.
Aí é que a gente vê que, além de se prestar uma auto-homenagem, a Rússia também se presta um auto-favor, já que sua seleção de futebol não é conhecida por apresentar performances marcantes. Assim, faz sentido usar Yashin de escudo — para lembrar todo mundo de que alguma coisa grande eles já fizeram no futebol. Se a imagem dele é a imagem da Rússia 2018, as atuações do time da casa no torneio fazem pouca diferença…
Uma das poucas críticas que o pôster russo recebeu não tem relação com Yashin, mas a como ele apresenta os patrocinadores, empilhados de forma esquisita num fundo branco, desconexos do resto da obra. De fato, é uma disposição estranha, mas não tem jeito, é um padrão Fifa. Uma norma que diz que é melhor que eles apareçam toscamente do que correrem o risco de ficarem apagados.
A forma positiva de ver tal arrumação é que, ao contrário do objetivo da Fifa, essa pode ser uma maneira para o pôster não contaminar-se demais com a oficialidade da coisa e manter uma distância saudável de quem o financia. Porque tudo indica que Yashin não comia McDonald’s nem viajava de Qatar Airways. É como se tentasse dizer: “Caso queira pendurar este cartaz na sua casa, os patrocinadores podem ser arrancados sem prejuízo da área relevante”.
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